Competência para julgar os litígios de consumo relacionados com cobrança dos fornecimentos de água e a prestação de serviços de saneamento

De acordo com o artigo 4.º, n.º 4, alínea e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), introduzido pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, a jurisdição administrativa e fiscal não tem competência para julgar litígios de consumo relacionados com a prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a sua cobrança coerciva. Na ausência de outra disposição legal específica, a competência para julgar esses litígios recai sobre os tribunais judiciais, conforme os artigos 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ).[i]

  1. Serviços Públicos Essenciais: O fornecimento de água e a prestação de serviços de saneamento são considerados serviços públicos essenciais, conforme o artigo 1.º, n.º 2, alíneas a) e f) da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
  2. Competência dos Tribunais Judiciais: Com a nova alínea e) do artigo 4.º, n.º 4 do ETAF a competência para ações de cobrança desses serviços é dos tribunais judiciais.
  3. Competência dos Serviços do Município: A cobrança coerciva de consumo de água, preço de disponibilidade, faturas de obras de ligação e reparação, bem como danos causados no equipamento, é feita nos termos estabelecidos para a cobrança de dívidas pelas autarquias. De acordo com o Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, estabelecido pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, constituem receitas dos municípios os preços devidos pela prestação de serviços, incluindo os preços cobrados pelo abastecimento público de água (artigos 14.º, alínea f) e 21.º, n.º 3, alínea a)) e segundo o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, as competências atribuídas no CPPT a órgãos periféricos locais ou regionais, no que respeita à execução fiscal, são exercidas pelas autarquias quanto aos tributos por elas administrados.

Conclusão: A tramitação da execução propriamente dita não compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais, mas sim aos serviços de execução dos próprios Municípios, ao abrigo do disposto nos artigos 14.º, alínea f) e 21.º, n.º 3, alínea a)) da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro  e arts. 7 e 149.º do CPPT, pelo que não é subsumível à norma do artigo 4.º, n.º 4, al. e), do ETAF, seguindo a execução as normas do CPPT.

Por sua vez, apreciação dos incidentes declarativos, no âmbito da execução fiscal, como por exemplo embargos, oposição, reclamação dos atos praticados pelos órgãos da execução fiscal, etc, face ao disposto na alínea e) do artigo 4.º, n.º 4, do ETAF, são da competência do Tribunal Judiciais.

[i] [i]Nesse sentido decidiu o ac. do Tribunal de Conflitos de 01.03.2023 conclui que «De acordo com a versão do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais resultante da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, compete aos Tribunais Judiciais a apreciação de uma oposição a uma execução fiscal destinada a obter a cobrança coerciva de fornecimento de água, saneamento de águas residuais e gestão de resíduos urbanos, por respeitar à prestação de serviços essenciais, na aceção da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho».

[i]Nesse sentido também já decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024

A tramitação e decisão da oposição à execução fiscal é da competência dos tribunais comuns, se esta execução correr os seus termos nesses tribunais, nos termos previstos no artigo 151.º, n.º 2, do CPPT, mas também nos casos em que correr perante um órgão administrativo e diga respeito a uma dívida emergente da prestação de serviços públicos essenciais, por força do disposto no artigo 4.º, n.º 4, al. e) do ETAF.