O abuso de direito na invocação da prescrição pelos avalistas é um tema complexo e relevante no direito português. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 3865/21.9T8VNF-A.G1.S1 datado de 12/12/2023 e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto nº 1253/23.1T8LOU-A.P1 datado de 10/07/2024, este tema é abordado de forma detalhada.
Os acórdãos mencionados defendem que existe abuso de direito quando o titular de um direito o exerce de maneira contrária à boa-fé, aos bons costumes ou ao seu fim social ou económico. No caso específico dos avalistas, a invocação da prescrição poderá ser considerada abusiva se os avalistas contribuíram para a situação de inércia ou de incumprimento do credor.
Naqueles acórdãos é entendido que nos casos em que os avalistas demonstraram, perante o credor, em sede de PER ou PIRE,[i] a vontade de renegociarem a dívida, [ainda que na qualidade de gerentes ou administradores da devedora principal] a fim de que a mesma fosse primeiramente paga pela devedora principal, inculcaram, no credor, a expetativa legítima de que assim seria e de que, enquanto decorresse o prazo para o cumprimento de cada um dos planos, não os teria de demandar diretamente, enquanto avalistas.
A invocação da prescrição pelos avalistas, nestas circunstâncias, poderá constituir abuso de direito, na forma de venire contra factum proprium, proibido pelo artigo 334.º do Código Civil, porquanto o credor atua respaldado na confiança de que os avalistas não invocariam o decurso do tempo, que eles próprios potenciaram com a pretendida renegociação da dívida, para obstarem ao pagamento posterior da dívida.
[i] PER- Processo especial de revitalização
PIRE- Processo de insolvência e de Recuperação de Empresas