Sharenting: as responsabilidades parentais, o direito à imagem e o ciberespaço

O termo sharenting resulta da junção das palavras inglesas share (partilha) e parenting (parentalidade), donde pelo tema indicado conseguimos perceber que vamos tecer algumas breves considerações acerca das publicações feitas pelos pais, nas redes sociais, de fotos e vídeos dos seus filhos menores, em especial de crianças.

Uma grande parte dos progenitores acredita que tais partilhas são inofensivas, nem sequer as questionando, mas podemos, legitimamente, colocar a possibilidade de tal partilha comprometer a imagem e segurança das crianças visadas e colocar em causa a liberdade dos pais em efetuar tais partilhas.

Sendo certo que o Código Civil nada refere, expressamente, a respeito, seja na secção dedicada aos direitos de personalidade, seja na secção dedicada à regulação do poder paternal, cremos ser possível encontrar neles argumentos que fundamentam a nossa posição, que desde já adiantamos, de que tais publicações devem ser feitas apenas dentro de grupos restritos de pessoas, com muita parcimónia, ocultando sempre o rosto do menor em causa, afastando a possibilidade de ser identificada a sua localização e cuidando para que nenhuma partilha inclua nudez ou exposição de partes  íntimas dos menores, independentemente da idade destes.

O art. 26º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, inserto no Capítulo dedicado aos “Direitos, liberdades e garantias” consagra que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

Assim, o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar de qualquer ser humano, como direito de personalidade que é, traduz-se num direito fundamental e absoluto, impondo-se erga omnes.

Ora, se atentarmos que a personalidade jurídica se adquire no momento do nascimento completo e com vida, como dispõe o art. 66º do Código Civil, e que o art. 70º do mesmo diploma prescreve que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, concluiremos que as crianças também gozam deste direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar e que sendo estes direitos afetados, ainda que pelos próprios progenitores, o Estado tem o dever de intervir.

Sendo os menores incapazes, como resulta do art. 23º do Código Civil (“os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação”), compete aos progenitores velar pela segurança e saúde dos seus filhos, bem como prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens, como estabelecem os arts. 1877º e 1878º do citado Código.

Sucede que representar o menor não significa, de forma nenhuma, ser dono daquele, dispondo do mesmo e regendo a sua vida como lhe aprouver; os pais devem sempre ter em conta a opinião dos filhos menores e reconhecer-lhes autonomia, consoante a sua maturidade, como resulta do plasmado no art. 1878º, n.º 2 do Código Civil, agindo sempre de acordo com o superior interesse das crianças.

Importante é, nesta matéria, o disposto no art. 79º do Código Civil que, no seu n.º 1, prescreve que “O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada”, nada estabelecendo especificamente quanto aos menores, em especial, relativamente à possibilidade de partilha de fotos e vídeos destes nas redes sociais.

Temos ainda de atentar no disposto no art. 1881º do mesmo diploma legal, donde resulta que se excetuam dos poderes de representação (previstos nos acima citados arts. 1877º e 1878º) os atos puramente pessoais. Ora, o direito à imagem, sendo um direito de personalidade, deve, a nosso ver, ser considerado um direito pessoal, que só deverá ser exercido pelos pais quando o superior interesse dos menores assim o imponha.

Desta forma, é necessário aferir se há algum interesse/benefício para o menor ou mesmo alguma necessidade na divulgação da sua imagem na internet, seja num qualquer site, seja nas redes sociais, ainda que de acesso restrito.

A doutrina e a jurisprudência nacional, acerca deste tema, são absolutamente residuais, tendo sido possível encontrar apenas um acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 25 de junho de 2015, prolatado no processo n.º 789/13.7TMSTB-B.E1, em que foi relator o Juiz Desembargador Bernardo Domingos. Neste processo o tribunal declarou que os pais da filha menor tinham o dever de abstenção no que tange à divulgação de fotografias ou outras informações que permitissem identificá-la no Ciberespaço. Referiu aquele tribunal que “Se por um lado os pais devem proteger os filhos, por outro têm o dever de garantir e respeitar os seus direitos. É isso que constituiu o núcleo dos poderes/deveres inerentes às responsabilidades parentais e estas devem ser sempre norteadas, no «superior interesse da criança», que se apresenta, assim, como um objectivo a prosseguir por todos quantos possam contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso: os pais, no seu papel primordial de condução e educação da criança; as instituições, ao assegurar a sua tutela e o Estado, ao adoptar as medidas tendentes a garantirem o exercício dos seus direitos e a sua segurança. Quanto ao perigo adveniente da exposição da imagem dos jovens nas redes sociais, as organizações internacionais e os Estados têm manifestado crescente preocupação porquanto é sabido que muitos predadores sexuais e pedófilos usam essas redes para melhor atingirem os seus intentos.”

Sucede, com efeito, que embora atualmente a generalidade das pessoas demonstre uma preocupação crescente com a privacidade de cada um, a verdade é que quando se trata de redes sociais, a quantidade de vídeos e fotografias de menores lançados no ciberespaço atingiu proporções gigantescas, como se as pessoas ignorassem que os dados aí lançados podem ser usados por qualquer pessoa, bem ou mal-intencionada, sendo frequente o uso de imagens descontextualizadas e parcialmente cortadas ou adulteradas, na darkweb, associadas a pornografia infantil, com a agravante de que o rasto digital é quase infinito, sendo muito difícil a eliminação total e definitiva de uma imagem ou de um vídeo que haja sido vertido nesse ciberespaço.

Desta regra geral que defendemos, de que não há qualquer interesse em que os menores tenham as suas imagens divulgadas na internet, pelos seus pais, ressalvamos as (raras) situações em que há um interesse da própria criança nessa divulgação, por ter uma certa notoriedade pública ou por a sua exposição recorrente a beneficiar, como pode sucede a jovens atores ou cantores, sendo que mesmo nestas circunstâncias as publicações devem ser feitas de modo a não permitir a identificação dos locais onde os menores se encontram aquando dessas fotografias e vídeos, sempre se abstendo de partilhar imagens de cariz mais íntimo que, depois de trabalhadas, permitam fazer o seu uso em termos de pornografia infantil.

Concluindo, diremos apenas que, em relação às imagens dos menores, partilhar pode muito bem significar, mais cedo ou mais tarde, lamentar e desejar ter tido mais prudência: o que hoje pode parecer uma imagem engraçada, “amanhã” pode traduzir-se numa humilhação.

Ana Teresa

Advogada Estagiária