Semana de 4 dias de trabalho – uma nova realidade no mundo do trabalho?

Nos últimos tempos muito se tem discutido sobre a introdução de uma semana de trabalho de 4 dias em Portugal, à semelhança do que tem vindo já a ser implementado em países como a Islândia, a Suécia, o Japão ou a Nova Zelândia.

Para os trabalhadores um novo modelo de organização do trabalho com apenas 4 dias poderá representar a garantia de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal (work life balance), levando a um menor desgaste, maior produtividade e, desejavelmente, a mesma retribuição mensal. Para as entidades empregadoras a redução do tempo de trabalho e manutenção da retribuição implicará desafios acrescidos, nomeadamente em muitos setores de atividade mais tradicionais ou de laboração contínua e numa altura de elevada escassez de mão-de-obra.

Na atual legislação laboral já se prevê a existência do denominado “horário concentrado”, por aplicação do artigo 209º do Código do Trabalho, que permite um aumento do período normal de trabalho diário até quatro horas, através de acordo entre trabalhador e empregador ou por instrumento de regulamentação colectiva (IRCT), com um limite máximo de quatro dias de trabalho por semana – na prática, um trabalhador que está obrigado a prestar quarenta horas semanais em oito horas diárias, poderia trabalhar até 10 horas diárias em apenas quatro dias.

Para testar a introdução de uma semana de trabalho de apenas 4 dias, foi recentemente noticiado a apresentação pelo Governo, em sede de concertação social, de um projeto-piloto para o efeito, estando já disponível uma plataforma online com as principais características e formulário para apresentação de candidaturas pelas organizações: https://www.iefp.pt/projetos-e-iniciativas?tab=programa-piloto-semana-de-4-dias.

Esta experiência-piloto, inicialmente aplicável ao setor privado (no caso de grandes empresas poderá ser testado em alguns estabelecimentos ou departamentos), terá a duração de 6 meses, sendo voluntária e reversível, ao passo que o Estado irá apenas providenciar suporte técnico e administrativo, sem qualquer contrapartida ou apoio financeiro.

A execução deste estudo não envolverá qualquer tipo de redução na remuneração dos trabalhadores e terá, necessariamente, de implicar uma diminuição do período normal de trabalho semanal – para 32, 34 ou 36 horas – definidas por acordo entre entidade empregadora e os seus trabalhadores.

A calendarização deste projeto prevê que até janeiro de 2023 as entidades empregadoras manifestem interesse em integrar este estudo – para o que podem utilizar o formulário que já está operacional -, seguindo-se sessões de esclarecimento e uma fase de seleção em fevereiro do próximo ano, para que o projeto tenha oficialmente início em Junho de 2023.

Terminados os seis meses de duração, já em dezembro de 2023, está previsto que ocorra um período de reflexão e avaliação deste modelo de organização dos tempos de trabalho, na esfera dos trabalhadores e na esfera das entidades empregadoras, através da ponderação do aumento ou não do nível de produtividade, conciliação da vida pessoal com a vida familiar, da maneira como será utilizado o tempo de “não trabalho”, etc.

Apesar da relevância deste projeto-piloto para aferir das potenciais vantagens na implementação de um novo regime de organização do tempo de trabalho, têm sido apontadas várias críticas por parte do setor empresarial, como o facto de este não ser o timing mais oportuno ou, da parte dos sindicatos, que se mostram pouco agradados com a possibilidade de aumento do período de trabalho diário em número superior a oito horas.

Para além destas dificuldades que tem sido apontadas podem antever-se outras adversidades, como um potencial tratamento desigual, pelo menos temporariamente, já que pode dar-se o caso de trabalhadores da mesma entidade empregadora auferirem uma retribuição mensal igual, mas um período normal de trabalho semanal inferior (o projeto piloto aparentemente não terá que envolver todos os trabalhadores e em grandes empresas poderá até cingir-se a alguns departamentos). 

Note-se, porém, que este projeto não está, pelo menos para já, acompanhado de alterações legislativas, sendo certo que os resultados que se venham a verificar poderão obrigar a uma adaptação da legislação laboral (apesar dos mecanismos que o Código do Trabalho já prevê), para além de eventual negociação em sede de contratação coletiva. 

Este terá de ser assim um modelo pensado com consciência e com rigor na avaliação dos resultados que se venham a apurar, de modo a garantir uma transação segura do modelo tradicional, se for o caso disso.

Marlene Ribeiro

Advogada Estagiária