O TRABALHO TRANSFRONTEIRIÇO

Com a criação de políticas de incentivo à fixação de pessoas nas regiões do interior do país tem-se verificado também um aumento de situações de trabalhadores que residem em Portugal, mas que, porém, exercem a sua atividade profissional em Espanha, o mesmo sucedendo em sentido contrário.

Em face disso, na XXXI Cimeira Luso-Espanhola realizada em 2020, Portugal e Espanha comprometeram-se, através da assinatura de um memorando de entendimento, na definição de uma Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço (ECDT), que inclui, entre outros, o reforço e a promoção da “figura do trabalhador transfronteiriço através da criação de um documento específico que o regule, com informação clara e acessível, estabelecendo pontos de apoio nos municípios fronteiriços. (…)”.

Esta estratégia veio a ser concretizada através da criação do “Guia Prático do Trabalho Fronteiriço entre Portugal e Espanha”, apresentado no final de 2022 na XXXIII Cimeira Luso-Espanhola realizada em Viana do Castelo.

Com a criação do referido Guia Prático, que naturalmente não constitui legislação, procurou clarificar-se o quadro normativo aplicável e os direitos concedidos pela legislação nacional e pelo quadro comum da legislação da União

Europeia, apresentando-se, de forma simples, os direitos e os serviços disponíveis para os trabalhadores fronteiriços de Portugal e Espanha.

As condições laborais e o quadro legislativo constante do referido estatuto é assim aplicável aos trabalhadores que se integrem na definição prevista no artigo 1º alínea f) e artigo 11º nº 3 alínea a) do Regulamento CE 883/04, que considera trabalhador fronteiriço “uma pessoa que exerça uma actividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado-Membro e que resida noutro Estado-Membro ao qual regressa, em regra, diariamente ou, pelo menos, uma vez por semana”.

Trata-se, assim, do corolário de um dos princípios fundadores da União Europeia, o da livre circulação de trabalhadores, bem como de legislação que regula o transfronteirismo laboral em muito direcionado a quem reside nas proximidades das fronteiras do país.

Com este Guia Prático, que se pode revelar um instrumento útil atenta a natureza da matéria e a dispersão da legislação aplicável, ficam clarificados vários circunstancialismos e necessidades dos trabalhadores abrangidos por esta figura, em matérias como a lei aplicável, o regime de segurança social, a proteção nas incapacidades por doença ou acidente de trabalho, bem como as situações de reforma ou desemprego.

Neste aspeto, destacamos o seguinte:

  • Ao nível da documentação necessária é clarificada a necessidade dos trabalhadores que residem em Portugal e trabalham em Espanha, terem de requerer um número de identificação estrangeiro, que podem solicitar numa esquadra de polícia ou embaixada – artigo 206º e 210º do Regulamento da Lei Orgânica 4/2000.
  • Quanto à lei aplicável à relação laboral é esclarecido que, em princípio, é aquela que for livremente escolhida pelas partes, ainda que o trabalhador possa beneficiar dos direitos que sejam concedidos pela lei aplicável no país onde presta atividade – artigo 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008 sobre a lei aplicável as obrigações contratuais (Roma I).
  • Em matéria de segurança social é clarificado que, em regra, o trabalhador que presta atividade em Espanha e reside em Portugal deve estar inscrito sistema de segurança social espanhol.
  • Relativamente a situações de incapacidade em virtude de acidente de trabalho é referido que, no caso de trabalhadores portugueses que residem em Portugal e trabalham em Espanha, a comunicação e o recebimento de prestações deverá ocorrer nos termos da legislação espanhola, aplicando-se a Lei 98/2009 quando estejam em causa trabalhadores de nacionalidade espanhola a trabalhar em Portugal.
  • Em matéria de proteção na parentalidade o guia do trabalhador do trabalho fronteiriço vêm clarificar que um cidadão residente em Portugal que trabalhe por conta de outrem em Espanha, tem direito a receber cuidados de saúde e prestações financeiras, que também obter em Espanha.
  • Quanto à proteção no desemprego clarifica-se que, para no caso de português que trabalhou por conta de outrem em Espanha, se aplica a legislação portuguesa, sendo que os períodos contributivos em Espanha serão considerados em Portugal, ainda que o trabalhador tenha de requerer documentação junto do serviço público de emprego espanhol – artigo 65º, nº 2 do Regulamento (CE) 883/2004 e artigo 56º do Regulamento (CE) 987/2009.

Sem prejuízo do exposto e das vantagens práticas que este documento poderá trazer na clarificação do regime aplicável, recorda-se que a mera criação do “Guia Prático do Trabalho Fronteiriço entre Portugal e Espanha” não constitui, de forma alguma, legislação e, por isso, não dispensa a análise da legislação concretamente aplicável a cada uma das matérias.

João Caetano

Advogado Estagiário