DUE DILIGENCE, DIREITOS HUMANOS E AMBIENTE

Em 2011, foram aprovados, pelo Conselho de Direitos Humanos (da ONU), os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos[1], momento que marcou um ponto de viragem na regulamentação das empresas no que toca a questões não só sociais, como ambientais. Trata-se de um instrumento jurídico não vinculativo, fornecendo meras orientações quer para os Estados quer para as empresas.

Estes princípios baseiam-se em três pilares:

  • O dever de o Estado proteger os Direitos Humanos – reafirmando as obrigações já impostas aos Estados, ao abrigo do Direito Internacional dos Direitos Humanos;
  • A responsabilidade das empresas em respeitar os Direitos Humanos – o que pressupõe que as empresas tomem medidas concretas para evitar prejudicar tais direitos e
  • O acesso à reparação – o que visa que qualquer pessoa que veja o seu direito afetado pelas atividades empresariais, seja do Estado, seja das empresas, obtenha uma reparação eficaz.

Saliente-se que uma das contribuições das Diretrizes das Nações Unidas é a introdução do conceito de “diligência devida”[2], em matéria de Direitos Humanos, que consiste num processo que todas as empresas devem implementar a fim de identificar, de prevenir, de mitigar e de prestar contas da forma como abordam os impactos adversos para os Direitos Humanos – potenciais e reais – com os quais podem estar envolvidas.

Esta questão foi ganhando progressivamente maior importância, seja por força das alterações climatéricas que se vêm evidenciando, com fatores extremos de seca e de inundações, consequência da poluição provocada, em certo grau, pelas grandes empresas, seja por força da maior consciencialização das violações dos direitos humanos nas mais diversas cadeias de valor associadas a tais empresas.

Assim, surgiu, em fevereiro de 2022, uma proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade e que visa alterar a Diretiva (UE) 2019/1937.

Com efeito, a exploração empresarial, as alterações climáticas e os direitos humanos estão intrinsecamente relacionados, ameaçando diversos direitos humanos, como o direito à saúde e à alimentação (previstos no artigo 25.º da DUDH), e mesmo o direito à vida (plasmado no artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Neste sentido, cumpre salientar o Relatório Especial das Nações Unidas elaborado em 2019[3] quanto à pobreza extrema e os direitos humanos, no qual foi salientado, entre o mais, que “As alterações climáticas terão consequências devastadoras para as pessoas em situação de pobreza. Mesmo no melhor cenário, centenas de milhões de pessoas irão experienciar insegurança alimentar, migração forçada, doenças e morte.

O âmbito de aplicação desta Diretiva proposta são as empresas (europeias ou que operem na União Europeia) de muito grande dimensão (mais de 500 trabalhadores e um volume de negócios mundial líquido superior a 150 milhões de euros) ou empresas de grande dimensão de setores tidos como de alto risco para o ambiente e os direitos humanos (fabrico de têxteis, couro, comércio por grosso de têxteis, vestuário e calçado, agricultura, silvicultura, pescas, fabrico de produtos, extração de recursos minerais e comércio por grosso de recursos minerais, entre outros).

O objetivo primordial desta proposta de Diretiva é, pois, obrigar aquelas empresas a responsabilizar-se pelos impactos que as suas atividades causem quer nos direitos humanos, quer em determinados impactos ambientais, abarcando as atividades de todo o grupo empresarial e de determinadas empresas com as quais o mesmo se relacione, designadamente os seus fornecedores.

Esta responsabilização é feita através do processo de due diligence (i.e., diligência devida), sendo que neste caso a due diligence difere do conceito tradicional aplicado pelas empresas previamente a uma transação.

De acordo com esta proposta de Diretiva as empresas estarão obrigadas a implementar um processo contínuo para identificar, prevenir, mitigar e comunicar a forma como abordam os impactos adversos nos direitos humanos e no ambiente, decorrentes das suas operações, nestas se incluindo as de certas empresas que consigo se relacionem, acautelando os impactos das suas operações – ou das operações de determinadas empresas com quem se relacionem – nos direitos humanos e no ambiente.

Embora a Diretiva ainda não tenha sido aprovada e, portanto, não haja sequer prazo para a sua transposição, a verdade é que muitas empresas, agindo proactivamente, iniciaram já a implementação de processos de due dilligence em matéria de direitos humanos e ambiente, visando serem reconhecidas como entidades empresariais responsáveis, quer com os direitos humanos de terceiros, quer com o ambiente, atitude que lhes trará, certamente, o reconhecimento dos seus consumidores e investidores.

[1] Implementando, assim, o quadro de referência “Proteger, Respeitar e Reparar” da ONU, elaborados para a questão dos Direitos Humanos e Empresas Transacionais, disponível aqui

[2] Em inglês “due dilligence”.

[3] UN Human Rights Council, Report of the Special Rapporteur on extreme poverty and human rights “Climate change and poverty”, 17 July 2019, A/HRC/41/39, disponível em A/HRC/41/39: Climate change, extreme poverty and human rights: Report | OHCHR

Ana Calejo Alves

Advogada Estagiária