Dois vetos depois a eutanásia volta ao Parlamento OU A eutanásia voltou ao Parlamento. Como é lá fora?

Com origem nos termos gregos “eu” (boa) e “thanatos” (morte), “eutanásia” significa “boa morte”, sendo que argumentos a favor e contra, quanto à sua legalização, têm levado a várias discussões a nível global. Na Europa, não existe qualquer consenso quanto a esta matéria sendo que, atualmente, há apenas quatro países europeus onde a eutanásia é legal: Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e, mais recentemente, Espanha.

A título comparativo, nos Países Baixos – primeiro país europeu a descriminalizar a eutanásia em 2002 – a legislação[1] prevê expressamente a introdução, no Código Penal holandês, de uma causa de exclusão de ilicitude nos casos em que a eutanásia (e o suicídio assistido) é levada a cabo por um médico. A realização da morte medicamente assistida passa pelo preenchimento de certos requisitos, nomeadamente: o desejo do doente, que deve estar consciente e em sofrimento insuportável, sem perspetivas ou esperanças de melhorias; por seu turno, o médico deve estar convencido de que está a cumprir a vontade do doente, na íntegra, depois de o ter informado do seu estado clínico/de saúde e ter verificado que o doente está num estado terminal, encontrando-se ainda em grande sofrimento físicos e psicológico. No que toca à idade: os menores de 12 anos podem fazê-lo, mas com a aprovação dos pais ou dos representantes legais; jovens com 16 anos estão autorizados a tomar tal decisão, mas os pais terão de ser incluídos no processo; mal completem 18 anos, têm o direito a requerer a morte medicamente assistida sem o consentimento ou aconselhamento parental.

Diferentemente, na Polónia a eutanásia constitui crime contra a vida, sendo considerada como homicídio. No entanto, está sujeita a um tipo legal de crime específico, relacionado com a morte de uma pessoa a seu pedido e por compaixão, o qual é punível com pena de prisão entre 3 meses a 5 anos.[2] Para se consumar o referido crime, que integra a eutanásia per se e todas as ações voluntárias com o objetivo de por termo à vida de alguém a seu pedido e por compaixão de quem o faz, é necessário que se verifiquem dois pressupostos: por um lado, o pedido da vítima para morrer (o qual tem de ser firme, claro e indubitável; e que advenha de alguém consciente e capaz de entender a sua situação atual); e, por outro lado, a compaixão sentida pelo agente.

Em Portugal, apesar de não constituir um tipo legal de crime autónomo, considera-se que a eutanásia se enquadra num de dois crimes: ou no do artigo 133.º (homicídio privilegiado) ou no do artigo 134.º (homicídio a pedido da vítima), ambos do Código Penal. Certo é que têm sido várias as tentativas, por parte da maioria dos deputados da Assembleia da República, em descriminalizar a eutanásia e, assim, proceder à alteração do Código Penal.

Com efeito, num hiato temporal inferior a um ano, as duas tentativas para legalizar a morte medicamente assistida não alcançaram o fim pretendido pela maioria dos deputados: numa primeira vez, em inícios de 2021, através de decisão do Presidente da República, o Decreto-Lei seguiu para o Tribunal Constitucional, o qual decidiu pela inconstitucionalidade[3] de uma norma constante naquele Decreto. Numa segunda tentativa, em novembro de 2021, o diploma foi vetado pelo Presidente da República, devolvendo o diploma à Assembleia da República, solicitando clarificações quanto a questões consideradas contraditórias.

Sucede que a questão voltou a ser discutida, no passado dia 9 de junho, na Assembleia, onde foram aprovados quatro projetos de lei (apresentados pelo PS, pelo PAN, pela IL e pelo BE) sobre a legalização da eutanásia, sendo que a proposta de realização de referendo, por parte do Chega, sobre a despenalização da morte medicamente assistida foi rejeitada no mesmo dia. Tendo as propostas sido aprovadas na generalidade, segue agora um debate em sede de especialidade pelos deputados, e por conseguinte, uma votação final global. No caso de conclusão e de aprovação global, o diploma será novamente enviado para o Presidente da República, que poderá optar por uma de três decisões: promulgar; vetar ou enviar para o Tribunal Constitucional. No entretanto, resta aguardar por uma decisão (pela terceira vez).

[1] Nos Países Baixos, a eutanásia e o suicídio assistido são regulados por uma lei designada, em inglês, por Termination Of Life On Request And Assissted Suicide disponível aqui

[2] Código Penal Polaco

[3] Acórdão do TC 123/2021 de 12 de abril

Ana Calejo Alves

Advogada Estagiária