A responsabilidade civil do Estado por atraso na justiça – o direito a uma decisão em prazo razoável

“Devagar se vai ao longe” – será esta a frase que mais se ouve nos tribunais portugueses?

É provável que conheçamos alguém que tem um “processo parado na justiça há anos” ou que já tenhamos, em alguma fase da vida, ouvido falar desta característica que popularmente classifica a atuação judicial em Portugal. Mas será que é mesmo assim?

Segundo a conclusão vertida no Relatório de Evolução do Sistema Judicial Europeu (estudo publicado bienalmente pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça) a justiça portuguesa, além de cara, é lenta.

Nos termos deste Relatório, que tem como objetivo explanar o funcionamento da Justiça europeia de forma a tentar melhorar a sua eficiência e qualidade, são denunciados números preocupantes, principalmente no que toca à resolução de casos na área do direito administrativo. Em Portugal, um processo administrativo demora em média 928 dias a ser resolvido nos Tribunais de 1ª instância, e 1015 dias nos de 2ª instância, ao passo que a média europeia é de 323 dias.

Por outro lado, no que toca aos processo cíveis, comerciais e criminais, o cenário não é tão preocupante, na medida em que Portugal apresenta uma taxa de eficiência alta, onde o tempo médio de resolução de um processo cível ou comercial é de 229 dias, enquanto que nos processos criminais a média fica pelos 205 dias.

Ora, é certo que a Justiça Portuguesa possa ter um funcionamento demorado. No entanto, mais certo é ainda que existem formas legalmente previstas de compensar quem tanto espera pela resolução de um determinado caso em Tribunal. 

Assim sendo, e com fundamento no direito fundamental a uma decisão em prazo razoável, previsto constitucionalmente no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, alguém que pretenda ser ressarcido pela demora de um determinado processo judicial, pode interpor uma ação administrativa, de responsabilidade extracontratual com fundamento em atraso na administração da justiça, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização por esse atraso. Está assim em causa a figura da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça, essencialmente prevista no artigo 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (que consagra o regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas). 

Uma vez interposta a ação, o Tribunal terá como tarefa apreciar se a duração do processo em causa pode ou não considerar-se razoável, apreciação essa que é feita casuisticamente, de acordo com as circunstâncias próprias de cada caso, pelo que se terá em conta fatores como, por exemplo: a complexidade da causa, o comportamento do requerente e das autoridades competentes, o objeto do litígio, entre outros. Para que este tipo de ação possa ser procedente, e uma vez que está em causa o instituto da responsabilidade civil, exige-se o preenchimento cumulativo dos pressupostos de tal instituto (responsabilidade civil), sendo eles: o facto ilícito, a culpa, o dano e um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Um ponto vantajoso para o lesado neste tipo de ações é que, em caso de insucesso, tem sempre direito a recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), desde que: (i) se esgote, primeiro, as vias de recurso internas (ou seja, em caso de indeferimento na primeira instância, levar o processo, por via de recurso, às instâncias superiores, até que não seja mais possível recorrer); e que (ii) a pretensão seja apresentada perante este TEDH no prazo de 6 meses após a decisão interna definitiva que lhe tenha sido desfavorável.

Desta forma, caso internamente nenhum Tribunal Português reconhecer o direito do lesado a um ressarcimento pelo tempo que esperou por uma decisão, há ainda a possibilidade de um Tribunal em Estrasburgo reconhecer-lhe tal direito (desde que, para tal, e conforme vindo de referir, esgote primeiro as vias internas de recurso e cumpra o aludido prazo de 6 meses).