Até 2019 o termo “inseminação artificial post mortem” era desconhecido à maioria da população, no entanto, nesse mesmo ano a questão invadiu as casas dos portugueses e tornou-se um dos temas mais mediáticos do país. A discussão surgiu devido à história de vida de uma mulher que tencionava engravidar através do sémen preservado do seu falecido marido e, para que isso fosse possível, foi criada uma petição que contou com mais de 100 mil assinaturas.
No seguimento dessa petição, a 25 de março de 2021 foi aprovado, na Assembleia da República, através do Decreto n.º 128/XIV, o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com sémen após a morte do dador, alterando a Lei n.º 32/2006. Decreto esse que foi devolvido sem promulgação do Presidente da República por este considerar que o diploma poderia carecer de falta de segurança jurídica bem como existir a necessidade de serem feitas algumas clarificações quanto ao direito sucessório.
Clarificadas todas as questões, entrou em vigor a Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro, que alterou a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho que regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida.
Ora, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro não era lícito que a mulher fosse inseminada com o sémen do falecido marido ou unido de facto, ainda que houvesse consentimento deste para que a inseminação acontecesse. Deste modo, ainda que existisse sémen conservado para uma possível inseminação, assim que o dador falecesse o sémen seria destruído.
Era, no entanto, lícita a transferência post mortem de embrião para permitir a realização de um projeto parental claramente estabelecido por escrito antes do falecimento do pai.
Ora, com a alteração feita pela Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro, para além da transferência de embrião post mortem, passou a ser permitida também a realização da inseminação com sémen de pessoa falecida.
A inseminação post mortem é então licita nos casos em que o sémen seja recolhido, devido a receio de futura esterilidade, para fins de inseminação da mulher com quem o dador esteja casado ou viva em união de facto e este venha a falecer durante o período de conservação do sémen, tendo de existir um projeto parental claramente estabelecido e consentido.
Ademais, os procedimentos devem iniciar-se no prazo de três anos contados da morte do marido ou do unido de facto.
Para que seja possível ser feita a inseminação, terá de haver um consentimento por parte do dador, consentimento esse que deverá ser prestado decorrido um prazo considerado ajustado à adequada ponderação da decisão, prazo esse que não poderá ser inferior a 6 meses (salvo razões clínicas ponderosas devidamente atestadas pelo médico que acompanha o procedimento).
Após prestação de informação ao dador quanto às consequências jurídicas, o consentimento deverá ser reduzido a escrito ou ainda registado em videograma, sendo posteriormente comunicado ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.
Assim, ainda que haja recolha de sémen, se não existir autorização expressa o processo não poderá avançar e a recolha será destruída.
É ainda de acrescentar que se em virtude da inseminação realizada nos termos anteriormente mencionados, resultar gravidez da mulher inseminada, a criança que vier a nascer é havida como filha do falecido.
Ainda no âmbito sucessório, a herança do progenitor falecido mantém-se jacente durante o prazo de três anos após a sua morte, o qual é prorrogado até ao nascimento completo e com vida do nascituro caso esteja pendente a realização dos procedimentos de inseminação permitidos nos termos da lei.
A Lei n.º 72/2021, de 12 de novembro veio então alterar o paradigma nacional e permitiu que as mulheres pudessem continuar com o projeto parental estabelecido, através da possibilidade de recorrerem à inseminação artificial post mortem.